Sexto dia de cobertura do 48o Festival de Cinema de Gramado com críticas dos curtas Remoinho e Você Tem Olhos Tristes e dos longas Me Chama Que Eu Vou e Los Fuertes
Remoinho
No curta paraibano Remoinho, de Tiago A. Neves, Maria (Cely Farias) é uma mulher de aparência abatida que retorna com seu filho menino à casa de sua mãe no interior da Paraíba. Já no ônibus a caminho de lá, o seu celular toca e ela simpesmente retira o chip do aparelho, atirando‑o para longe em um ato afobado que sugere que ela quer se ver longe de algo ou alguém. Ao chegar, é recebida com silêncio e rancor da mãe, que lhe atira na cara que ela a largou sozinha e nunca mais deu notícia.
Há elementos aqui e ali que nos permitem compreender os motivos que levariam alguém a querer deixar um lugar perdido no meio do nada como aquele, mas é uma pena que só permaneçam na superfície do que vemos — inclusive os sonhos não conquistados de Maria e o controle de sua mãe, que reclama ao vê-la chegar em casa tarde da noite.
Fica patente que a moça teve uma decepção na cidade (que gerou um filho de cujo pai ela nem quer falar) e voltou deprimida com o rabo entre as pernas. Mas o remoinho do título é pouco explorado e o final não carrega o impacto esperado.
Você Tem Olhos Tristes
O paulista Você Tem Olhos Tristes, de Diogo Leite, nos apresenta a Luan, um entregador de iFood negro que tem um péssimo dia ao se deparar com preconceito e racismo em sua jornada de trabalho e mais tarde ao jantar com a sua namorada e a tia dela. Primeiro sua bicicleta é roubada, depois um cliente perturbado lhe puxa a faca, e por aí vai.
As durezas que Luan enfrenta nos fazem rapidamente simpatizar com ele, mas é depois, na conversa com a tia “liberal”, que o curta se destaca ao mostrar uma versão mais sutil do racismo, quando a mulher lhe diz que ele tem uma “beleza exótica” e pergunta se ele conhece “alguém do seu bairro” que possa lhe arranjar maconha.
Tudo que vemos caminha bem até a conclusão, que, no entanto, surge abrupta demais e não se encaixa tão bem com o ritmo calculado do que vinha antes.
Me Chama Que Eu Vou
Além de O Samba É Primo do Jazz, exibido dois dias antes no Festival de Gramado, outro documentário musical co-produzido pela Globo Filmes é este Me Chama Que Eu Vou, de Joana Mariani — que, assim como aquele longa, é também um filme convencional que se apoia em imagens de arquivo e em curiosidades da vida do artista que retrata.
O artista da vez é Sidney Magal, ícone das mulheres e do brega brasileiro, que se revela simpático, humorado e eloquente em diversas entrevistas atuais e antigas, além de um verdadeiro adorador dos holofotes que afirmava querer ser amado. Nesse sentido, Magal foi bem-sucedido, pois muitas mulheres o endeusavam e ficavam loucas só de vê-lo (e homens também, como ouvimos em um relato divertidíssimo).
Refletindo o dinamismo e humor de seu protagonista com recortes de notícias sublinhados ou circulados na tela, o filme oferece um apanhado geral dos momentos mais marcantes da trajetória de Magal, relembrando suas histórias mais cômicas, sua fama de “garanhão pré-fabricado”, sua persona de “amante latino”, seu romantismo considerado cafona por muitos, seus imitadores e também seu guarda-roupa colorido e extravagante.
E ficamos sabendo que há na verdade dois Sidneys: o Magal dos palcos e o Magalhães, pai de família dedicado, amoroso e sempre presente — e ver como ele foge completamente do estereótipo do “artista talentoso que não passa de um canalha” é um prazer por si só. O resultado é uma experiência leve e divertida como seu protagonista.
Los Fuertes
O último longa estrangeiro da mostra competitiva exibido no festival foi este chileno Los Fuertes, de Omar Zúñiga, que eu imagino que deva agradar a quem nunca tenha visto um filme de temática LGBT na vida. Adaptado do curta-metragem de Zúñiga Sán Cristóbal (que não vi), o filme começa quando o arquiteto Lucas (Samuel González), que acaba de ganhar uma bolsa de pós-graduação no Canadá, vai de Santiago passar um tempo com a irmã em Niebla, sul do Chile. Lá, conhece Antonio (Antonio Galindo), constramestre de um barco pesqueiro, e os dois iniciam um romance.
Como já dito acima, tudo o que se vê aqui já foi abordado mil vezes em outros filmes e de maneiras bem melhores. Há os intermináveis olhares penetrantes, o medo de se envolver, o preconceito paterno, et cetera. Não que nada disso não seja válido quando se trata de um relacionamento homoafetivo, mas fica difícil se importar quando o diretor parece mais interessado em fartos olhares e longas cenas de sexo (que cheiram a puro fetiche) do que em desenvolver seus personagens e o que sentem um pelo outro. O resultado é só um romancezinho batido com conflitos ainda mais batidos.
Um desses conflitos surge na forma de um sujeito ciumento e desequilibrado que ameaça o emprego de Antonio, mas as consequências de suas ações não mudam nada quanto as decisões dos personagens centrais. Em outro momento, Lucas leva uma pedrada de um desconhecido bem na cabeça, o que indicaria uma certa hostilidade das pessoas do local, mas isso também é logo abandonado. E há ainda uma subtrama descartável envolvendo um caso da irmã com um médico local que não vai a lugar nenhum.
Com um final que podemos ver de longe, Los Fuertes é tão genérico e óbvio quanto seu título. Para quem quiser ver um bom filme sobre um romance fadado a acabar, fique com Me Chame Pelo Seu Nome (2017), que é bem melhor.