Quarto dia de cobertura do 48o Festival de Cinema de Gramado com críticas dos curtas Wander VI e Extratos e dos longas O Samba É Primo do Jazz e El Gran Viaje al País Pequeño

Wander Vi

48o Festival de Cinema de Gramado
Divul­ga­ção / Fes­ti­val de Gramado

A quar­ta noi­te de exi­bi­ção tele­vi­si­va do Fes­ti­val de Gra­ma­do pelo Canal Bra­sil foi só de docu­men­tá­ri­os, come­çan­do por este cur­ta bra­si­li­en­se Wan­der Vi, de Augus­to Bor­ges e Nathalya Brum, que nos apre­sen­ta ao músi­co Wan­der­son Viei­ra da cida­de de Samam­baia. Em uma con­ver­sa fran­ca e infor­mal, vemos Wan­der Vi (como é seu nome artís­ti­co) falar de sua vida e seu sonho de ser um can­tor e per­for­mer de suces­so um dia.

Por mais que seja sim­ples demais, o fil­me se bene­fi­cia do caris­ma de seu pro­ta­go­nis­ta, prin­ci­pal­men­te em um bate-papo leve e humo­ra­do den­tro de um car­ro em movi­men­to que não pre­ci­sa­va ter­mi­nar nun­ca. Dono de um belo alcan­ce vocal, Wan­der não se aca­nha ao falar um pou­co de sua vida, seu empre­go notur­no como audi­tor em um ata­ca­dis­ta, seu inves­ti­men­to na dan­ça ou ain­da como faz músi­ca no pró­prio com­pu­ta­dor — o que gera uma dis­cus­são inte­res­san­te sobre como os pro­gra­mas Ado­be são caros demais para quem não pode pagar, levan­do mui­tos a pro­cu­rar ver­sões crac­ke­a­das de seus produtos.

A sim­pa­tia de Wan­der é con­ta­gi­an­te, como quan­do ao ter­mi­nar de can­tar um blu­es cheio de emo­ção ele olha para quem está atrás da câme­ra como quem diz “ficou bem legal né”. Isso tudo pode não soar ino­va­dor, mas é bem legal sim conhe­cer um “negro, gay, pobre e feliz”, como ele pró­prio diz, que não desis­te dos seus sonhos. E é um bom sinal de que o fil­me fun­ci­o­na quan­do nos vemos tor­cen­do por ele também.

Extratos

Extratos (curta)
Divul­ga­ção / Fes­ti­val de Gramado

O pró­xi­mo cur­ta, Extra­tos, de Sinai Sgan­zer­la, é uma jun­ção de frag­men­tos de ima­gens de arqui­vo cap­tu­ra­das em uma outra épo­ca e outros luga­res. A épo­ca foi o perío­do entre 1970 e 1972, e quem regis­trou essas ima­gens foram os pais da dire­to­ra — o já fale­ci­do cine­as­ta Rogé­rio Sgan­zer­la e a atriz musa do dire­tor Hele­na Ignez — no exí­lio duran­te os anos de chum­bo da dita­du­ra. Os luga­res que vemos são as cida­des do Rio de Janei­ro, Lon­dres, Mar­ra­ke­ch, Rabat, Sal­va­dor e tam­bém o deser­to do Saara.

Ouvi­mos a nar­ra­ção em off de Ignez, que fala da sau­da­de do Bra­sil, da tra­ves­sia do Saa­ra e de como “esca­pa­ram vivos” de seu pró­prio país. É como um vis­lum­bre de emo­ções por vezes con­fli­tu­o­sas e a espe­ran­ça de um futu­ro melhor. Tudo cur­to e bre­ve demais, sem dar tem­po para cau­sar uma mar­ca mai­or. Efê­me­ro. Do nada, acaba.

O Samba É Primo do Jazz 

O Samba é Primo do Jazz (filme)
Divul­ga­ção / Fes­ti­val de Gramado

O lon­ga cari­o­ca O Sam­ba É Pri­mo do Jazz, de Ange­la Zoé, é outro docu­men­tá­rio da noi­te (além de Wan­der Vi) que é mais con­ven­ci­o­nal do que mere­cia ser, mas ganha a nos­sa sim­pa­tia gra­ças a uma per­so­na­gem bas­tan­te caris­má­ti­ca. A artis­ta da vez é Alci­o­ne Dias Naza­reth — ou ape­nas Alci­o­ne, ou Mar­rom, como tam­bém é conhecida.

Aqui, há uma pre­o­cu­pa­ção menor em explo­rar a vida da sam­bis­ta e sua car­rei­ra musi­cal, já que o foco prin­ci­pal pare­ce ser a sua per­so­na­li­da­de e o seu talen­to. O fil­me se uti­li­za de mui­tas ima­gens de arqui­vo, como entre­vis­tas com Gran­de Ote­lo, Marí­lia Gabri­e­la e Ire­ne Rava­che, e depoi­men­tos (novos e anti­gos) com gen­te como Jair Rodri­gues, suas irmãs e seu pai que apa­ren­te­men­te teve para lá de 35 filhos com diver­sas mulheres.

Mas é sem­pre que Alci­o­ne sur­ge em cena que tudo melho­ra. Dona de um talen­to ine­gá­vel e men­ci­o­na­do por todos que falam dela (além da pode­ro­sa voz, ela toca pis­tom, cla­ri­ne­te, sax e trom­pe­te), a can­to­ra diver­te com sua per­so­na­li­da­de (como quan­do se irri­ta ao errar a letra de uma can­ção) e tira­das hilá­ri­as — que, aliás, são tan­tas que fica até difí­cil men­ci­o­nar uma só. Além dis­so, nos sim­pa­ti­za­mos tam­bém com sua pre­o­cu­pa­ção por sua famí­lia, seu amor pelo Mara­nhão e seu cari­nho pelos amigos.

Pois é difí­cil não sim­pa­ti­zar com uma artis­ta que nun­ca acei­tou obri­ga­ção algu­ma nem se sujei­tou a deman­das de pro­du­to­res ou quem quer que fos­se. E se uma entre­vis­ta anti­ga que vemos com a Hebe se reve­la um dos pon­tos mais diver­ti­dos do fil­me, melhor ain­da é notar como Alci­o­ne pare­ce sono­len­ta e desin­te­res­sa­da em ensai­os, mas depois sur­ge como um fura­cão no pal­co, quan­do sua ener­gia muda da água pro vinho. E ela ain­da con­se­gue con­fe­rir toda essa sua ener­gia a um doc bem convencional.

El Gran Viaje al País Pequeño 

El gran viaje al país pequeño (filme)
Divul­ga­ção / Fes­ti­val de Gramado

Já o uru­guaio El Gran Via­je al País Pequeño, de Mari­a­na Viño­les, é um fil­me que come­ça bem ao acom­pa­nhar a saí­da de uma famí­lia síria de um cam­po de refu­gi­a­dos no Líba­no rumo ao Uru­guai — o úni­co país lati­no-ame­ri­ca­no que acei­tou rece­ber até 120 refu­gi­a­dos síri­os do Líba­no em 2014 como par­te de seu Pro­gra­ma de Reas­sen­ta­men­to de Pes­so­as Síri­as Refu­gi­a­das. Ao che­ga­rem lá, a dire­to­ra pas­sa a acom­pa­nhar tam­bém o pro­ces­so de adap­ta­ção des­sas pes­so­as em um país com­ple­ta­men­te des­co­nhe­ci­do, além de focar uma segun­da famí­lia síria que já se encon­tra no Uru­guai e cujos mem­bros estão insa­tis­fei­tos depois de terem se depa­ra­do com algo mui­to dife­ren­te do que imaginavam.

O inte­res­san­te é per­ce­ber o cho­que entre as espe­ran­ças de uma vida melhor e a rea­li­da­de de um país regi­do por leis e cul­tu­ras bem dife­ren­tes. A ques­tão é com­ple­xa, e é o pai da segun­da famí­lia que se mos­tra par­ti­cu­lar­men­te revol­ta­do por terem dei­xa­do um país em guer­ra para pas­sa­rem fome em outro — onde o cus­to de vida é alto e é difí­cil achar o tipo de tra­ba­lho que eles estão dis­pos­tos a rea­li­zar. Alguns dos refu­gi­a­dos inclu­si­ve recla­mam da fal­ta de mes­qui­tas e ale­gam que suas espo­sas vêm sido assal­ta­das e até agre­di­das nas ruas, o que é algo que o docu­men­tá­rio nem pro­cu­ra averiguar.

Esse, aliás, aca­ba sen­do um pro­ble­ma: a manei­ra obje­ti­va demais (que por vezes até se asse­me­lha a uma repor­ta­gem jor­na­lís­ti­ca) como Viño­les apre­sen­ta o con­fli­to e não se esfor­ça para com­pre­en­der os dois lados, acre­di­tan­do tal­vez que bas­ta dar espa­ço a essas pes­so­as para que expo­nham suas frus­tra­ções. O resul­ta­do é que osci­la­mos entre a com­pre­en­são e a irri­ta­ção dian­te da incon­sequên­cia de pais que que­rem regres­sar a um país em guer­ra e pôr a vida de seus filhos em ris­co por moti­vos que soam ape­nas banais da for­ma que são apre­sen­ta­dos (ape­sar de haver um rapaz que em um deter­mi­na­do momen­to expõe essa inco­e­rên­cia deles de manei­ra qua­se indiscutível).

Como se não bas­tas­se, após a pri­mei­ra hora de pro­je­ção, o fil­me fica um ver­da­dei­ro por­re ao se entre­gar a cenas tri­vi­ais que não agre­gam abso­lu­ta­men­te nada, como o aba­te de um ani­mal ou uma con­ver­sa com um pales­ti­no — o que só demons­tra a inca­pa­ci­da­de da dire­to­ra de enxu­gar seu mate­ri­al e reti­rar o que não é impor­tan­te. Ao pin­ce­lar o que real­men­te impor­ta e per­der tem­po com o banal, Viño­les cria um docu­men­tá­rio cha­tís­si­mo que só vale a pena mes­mo ao mos­trar a evo­lu­ção do casal prin­ci­pal (da prí­mei­ra famí­lia) em apren­der espa­nhol e se adap­tar a outros costumes.

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